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Silêncio cósmico

Pudera eu regressar ao silêncio infinito,

ao cosmos de onde vim.

No espaço interestelar, vazio, negro, frio,

havia de soltar um grito bem profundo

e assim exorcizar todas as dores do mundo.

Regina Gouveia

NOVO BLOGUE

Retomei o blogue que já não usava há anos.

https://reflexoeseinterferncias.blogspot.com/

Dedico-o essencialmente aos mais novos mas todos serão bem vindos, muito em particular pais, avós, encarregados de educação, educadores ...


terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Nostalgia da infância

Ultimamente, todos os trabalhos que tenho produzido na pintura têm por suporte antigos sacos usados na apanha da amêndoa e da azeitona. Descobri-os no Verão  na adega da casa que foi de meus pais e que há anos tento organizar no sentido de ali criar um pequeno museu (só para uso familiar...). Neste blogue já referi várias vezes esse projeto.
A amêndoa e a azeitona eram os principais produtos da aldeia, por isso muitas atividades estavam relacionadas com o tratamento das árvores, amendoeiras e oliveiras, bem como da apanha e posterior tratamento dos frutos. Nos livros  tenho dedicado  textos a este tema. Deixo aqui alguns
 

Tempos agrestes


Eram tempos agrestes

quando da azeitona ou da amêndoa,  a apanha.

Era o vento  cieiro que vinha de Espanha

uma brisa seca, cortante,  gelada

que gretava a pele já de si curtida,

era a soalheira que encardia o rosto  no  ateado Agosto

Eram tempos agrestes

de fugas para França e de passadores 

de silêncios pesados,  de densos suores

que  iam  desgastando  dia a dia a vida

qual  roupa delida já de tanto usada.

Eram tempos agrestes

grávidos  de sol, de frio e  de nada.
 


Quando passo num amendoal, após o verão,

sinto um misto de nostalgia e emoção

ao ver a amêndoa abandonada nas árvores e no chão.

Outrora significou   prosperidade  e eram guardados  os amendoais

para garantir que  os rebusqueiros não rebuscavam demais,

que rebuscavam só no chão, à claridade,  só de dia e não ao lusco-fusco.

Hoje, já ninguém anda ao rebusco.

No Verão,  sob um sol abrasador, era a apanha.

Hoje fica nas árvores e cai na terra que a arrebanha  e com ela se funde;
 
confundem-se os seus tons.  Da escacha já há muito não se  ouvem sons.

Os escachadores ora em uníssono, ora desfasados, habilmente manejados 

com gestos secos, certeiros e breves por mulheres, crianças,  raparigas,

que enchiam o ar de risos e cantigas,  iam partindo a amêndoa, 

sempre cadenciados, deixando o grão intacto ou com mazelas leves, 

enquanto das cascas, o monte  crescia no chão.

Mais tarde, a par da lenha,   na  lareira,  iriam servir para combustão.

O grão ia para sacos de serapilheira. Mais tarde era vendido 

e o seu destino era assim perdido.
 
Aquele que ficava imperfeito,  esbotenado,
 
iria ser, mais tarde,  laminado,
 
misturado com ovos  e açúcar,  nos rochedos
 
cujas receitas eram envoltas em segredos
 
e cuja doçura ocultava a  agrura

de tanta fadiga e de tanto suor. 

Eram a lavra, a limpa, a enxertia, ano após ano um ritual que se cumpria

e quando floriam as amendoeiras, o lavrador contemplava

do cimo das ladeiras  aqueles véus de noiva a perder de vista,

não com o olhar breve de um turista, 

mas com um profundo olhar, cheio de amor.

 Lição

Constava no compêndio que eu tinha que estudar

que o azeite, no essencial,  é um misto de oleína e palmitina

de diferente densidade e ponto de fusão

Falava ainda o meu compêndio em decantação, ponto de inflamação,

porém, ainda antes do compêndio, era bem pequenina e já sabia

que os negros frutos de todo o olival iriam ser esmagados no lagar

para das entranhas o azeite retirar

junto com o alpechim do qual se iria separar

Amargo e negro, o alpechim, iria ser lançado nos infernos[1].

Também antes do compêndio já sabia que em candeias o azeite iria alumiar

e que em gélidos Invernos iria talhar, em duas camadas se iria separar,

a inferior, pastosa,  esbranquiçada, a superior , viscosa, amarelada.

Mas quando criança, também me apercebia que o tão dourado azeite,

à mesa sempre usado com deleite, na malga do pobre não ia ter lugar,

quando muito o azeite das sobras de fritar.

Só que  isso não constava no compêndio.

 in Magnetismo Terrestre

[1] reservatórios para recolha do alpechim

 



(...)De todos os sons, o que mais recordo é o da escacha da  amêndoa.  Foi sempre a tarefa que mais me seduziu. Talvez porque eu tomava parte activa nela. Ainda hoje guardo o meu escachador. Era pequenino, cilíndrico e mais perfeito que qualquer outro. A escacha da amêndoa era feita no pátio de baixo.  Previamente a amêndoa era escabulhada no mesmo pátio e ensacada. Era dos sacos que as escachadeiras (neste trabalho havia essencialmente mulheres) tiravam punhados de  amêndoas que mantinham na mão esquerda. Essas amêndoas eram colocadas, uma de  cada vez, sobre uma cova numa pedra, e fixadas entre o polegar e o indicador da referida mão. Com o  escachador, usado com a mão direita, partia-se a casca da amêndoa deixando o grão, umas vezes intacto, outras  vezes  com pequenas mazelas. O grão ia sendo deitado, primeiro para o avental e,  posteriormente, para sacos. Era bonito ouvir o som dos vários escachadores, umas vezes em uníssono, outras vezes não. Mas o que eu mais gostava de ouvir, eram as conversas, as histórias, as adivinhas, os provérbios, as cantigas com que se iam preenchendo os serões da escacha. Lembro-me de uma noite em que, ao desafio,  se iam dizendo provérbios encadeados.
Ø      No poupar é que vai o ganho .......Grão a grão enche a galinha o papo....... Há quem poupe no farelo e esbanje na farinha.....Vale mais quem Deus ajuda  do quem cedo madruga, .....Deitar cedo e cedo erguer dá saúde  e faz crescer....A conversa é como as cerejas...... Que se comem em Maio ao borralho.
Lembro-me também das adivinhas:
Ø      Alto está,  alto mora, todos o vêem, ninguém o adora....Verde foi meu nascimento, mas de luto me vesti, para dar a luz ao mundo mil tormentos padeci.... Destas e de muitas outras.
Lembro-me ainda de certas conversas e histórias de uma ingenuidade comovedora mas a que na altura achava imensa graça,  como uma contada  pelo   ti Geraldo.  O ti Geraldo era um homem que trabalhava muitas vezes lá para casa. Quando,  por qualquer razão aparecia, a minha mãe perguntava, como é habitual na TERRA:
Ø      Quer uma pinguinha?
Ao que ti Geraldo respondia, de imediato,  sempre da mesma maneira:
Ø      Já que tanto insiste, minha senhora.
Ora a história que o ti Geraldo contou numa sessão da escacha, e que por certo era fruto da sua imaginação, tinha a ver com a festa da Vila. O ti Geraldo contava que para a festa tinham convidado o Bispo. No momento   em que o Bispo entrava na Vila, o  presidente da comissão das festas disse para o mestre da Banda de Música:
Ø      Toque qualquer coisa  homem, não vê que o Sr. Bispo está a  chegar.
Ø      E o que é que quer que toque ?
Ø      Qualquer coisa.
Então ouve-se a banda a  tocar  uma modinha da altura,  que começava assim: “A mim não me enganas tu, a mim não me enganas tu”. Comentava o ti Geraldo:
Ø      Coitado do “home”. “Pori” na altura “num”  se l´ atinou outra.
 In Estórias com sabor a Nordeste

 
A terminar deixo alguns dos trabalhos que referi inicialmente




 



2 comentários:

  1. Lindo este teu post...bom par ler em dia de chuva, ao borralho virtual...

    Obrigada e parabéns pelos poemas, quadros e memórias...
    Bjinho

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  2. Que lindo, Regina. É bom recordar uma infância feliz. E o aproveitamento dos resíduos da terra em obras de arte é uma bela ideia.
    Mais uma vez,Regina, parabéns pela sua maneira de estar na vida, com arte e sabedoria.

    Um beijo.

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