sábado, 24 de abril de 2010
Dois registos...
1º registo
Ontem dia 23 de Abril, fez um ano que a minha maior amiga partiu. Nascemos precisamente no mesmo dia e no mesmo ano, fomos colegas de Faculdade e foi (é) madrinha do meu segundo filho.
Durante o dia, envolvida no 1º Encontro de Literatura Infanto – Juvenil da S.P.A, que decorreu ontem e hoje na BMAG, esqueci um pouco a tristeza que a data me evoca.
Mas ao fim do dia, na missa de aniversário, a saudade bateu muito forte. As palavras começaram a atropelar-se na minha cabeça, não as do padre, que essas não as ouvi, mas outras que ganhavam asas na minha mente
Reunidos amigos e família,
volvido um ano sobre a tua partida.
O coração apertado, turvam-se a visão e o ouvido.
Das palavras do prelado, nem uma só ouvi.
Palavras de circunstância, adequadas à ocasião,
ou talvez não.
Dos teus filhos, frases que subentendo,
através de palavras soltas
que me chegam carregadas de emoção e de saudade-
- generosidade, exemplo de vida.
Que grande privilégio teres sido minha amiga
2º Registo
Como referi no registo anterior, decorreu na BMAG o 1º Encontro de Literatura Infanto – Juvenil da S.P.A
A par deste programa houve, no dia 23, encontros entre crianças e escritores. Como o escritor Vergílio Alberto Moreira não pôde estar presente (entrou nesse dia no Clube dos Avós a que eu já pertenço) fui “substituí-lo” junto de cerca de 40 crianças. É algo que gosto sempre de fazer…
Mas regressemos ao programa.
Embora com muito pouco tempo dedicado a questões que o público pudesse colocar, as entrevistas correram bem, umas melhores que outras, obviamente.
Destaco a entrevista à ilustradora Teresa Lima. Foi muito interessante. A meio relatou um episódio que aconteceu com a ilustração do livro, Lá de cima, cá em baixo, de António Mota. Numa das ilustrações figurava uma girafa, intencionalmente sem cabeça, em que o pescoço terminava no topo da página.
A gráfica achou por bem descer a girafa e adaptar-lhe uma cabeça e, tanto gostou do novo desenho, que o usou para colocar na contra-capa… E pensar que o meu ilustrador ( o meu filho Nuno) ficou muito aborrecido porque na gráfica deslocaram um pouco as ilustrações…
Foi muito enriquecedora a intervenção de Osvaldo Silvestre que se centrou essencialmente em torno de duas questões: Alice no País das maravilhas é um clássico? É um livro para crianças?
Foram também muito interessantes as intervenções dos grupos Pé de Vento, Quinta Parede, Os gambozinos e do actor Carlos Moreira
De entre os vários poemas que foram lidos seleccionei alguns para trazer aqui
O Mosquito Escreve
O mosquito pernilongo trança as pernas, faz um M,
depois, treme, treme, treme,
faz um O bastante oblongo, faz um S.
O mosquito sobe e desce.
Com artes que ninguém vê, faz um Q,
faz um U, e faz um I.
Este mosquito esquisito
cruza as patas, faz um T.
E aí, se arredonda e faz outro O,
mais bonito.
Oh! Já não é analfabeto, esse insecto,
pois sabe escrever seu nome.
Mas depois vai procurar alguém que possa picar,
pois escrever cansa, não é, criança?
E ele está com muita fome.
(Cecília Meireles)
O Cometa
Lá vem lá vem o cometa
Tema cauda branca a cabeça preta
Que não se intrometa na sua rota nenhum planeta
E que ninguém tente cortar-lhe o cabelo ou não fosse de gelo
Nunca noiva alguma teve um vestido assim feito de espuma
Lá vai lá vai o cometa. Tem a cauda branca a cabeça preta
Se o não viste passar daqui a cem anos ele há-de voltar
(Jorge Sousa Braga)
Coisas que não há que há
Uma coisa que me põe triste
é que não exista o que não existe.
(Se é que não existe, e isto é que existe!)
Há tantas coisas bonitas que não há:
coisas que não há, gente que não há,
bichos que já houve e já não há,
livros por ler, coisas por ver,
feitos desfeitos, outros feitos por fazer,
pessoas tão boas ainda por nascer
e outras que morreram há tanto tempo!
Tantas lembranças de que não me lembro,
sítios que não sei, invenções que não invento,
gente de vidro e de vento, países por achar,
paisagens, plantas, jardins de ar,
tudo o que eu nem posso imaginar
porque se o imaginasse já existia
embora num sítio onde só eu ia...
(Manuel António Pina)
Mistérios da escrita
Escrevi a palavra flor.
Um girassol nasceu no deserto de papel.
Era um girassol como é um girassol.
Endireitou o caule, sacudiu as pétalas
e perfumou o ar.
Voltou a cabeça à procura do sol
e deixou cair dois grãos de pólen
sobre a mesa.
Depois cresceu até ficar
com a ponta de uma pétala fora da Natureza.
( Álvaro Magalhães)
HISTÓRIA DO SR. MAR
Deixa contar...
Era uma vez
O senhor Mar
Com uma onda...
Com muita onda...
E depois?
E depois...
Ondinha vai...
Ondinha vem...
Ondinha vai...
Ondinha vem...
E depois...
A menina adormeceu
Nos braços da sua Mãe...
(Matilde Rosa Araújo)
O penúltimo momento do encontro foi a apresentação do livro “Camões- O super-herói da Língua Portuguesa” de Maria Alberta Meneres. Maria Alberta Menéres completou 80 anos e está a ser homenageada pela ASA. A filha, Eugénia de Melo e Castro, acompanhou-a e a entrevista, muito bem conduzida por José António Gomes, e a que responderam mãe e filha, foi de facto um momento alto do programa.
Do livro fica um excerto
Como disse José António Gomes, o livro mostra que Camões continua na "continuação"
A finalizar e porque de poesia infantil se tratou, deixo um poema do meu último livro para crianças
Poesia
Perguntaram à Maria
o que era a poesia
e a Maria respondeu:
É saber olhar o Céu,
ouvir as ondas do mar,
e sentir a maresia,
as aves a chilrear,
desde que o sol se levanta,
deixar a areia escapar
por entre os dedos da mão,
é saber ouvir o vento
que traz sempre uma mensagem
quando chega de viagem.
É acarinhar a terra,
cada animal, cada planta,
cada pedra, cada rio.
É cantar ao desafio com o melro,
o gavião, e também a cotovia,
o pardal , o rouxinol.
É saudar o arco-íris
num dia de chuva e sol
Ontem dia 23 de Abril, fez um ano que a minha maior amiga partiu. Nascemos precisamente no mesmo dia e no mesmo ano, fomos colegas de Faculdade e foi (é) madrinha do meu segundo filho.
Durante o dia, envolvida no 1º Encontro de Literatura Infanto – Juvenil da S.P.A, que decorreu ontem e hoje na BMAG, esqueci um pouco a tristeza que a data me evoca.
Mas ao fim do dia, na missa de aniversário, a saudade bateu muito forte. As palavras começaram a atropelar-se na minha cabeça, não as do padre, que essas não as ouvi, mas outras que ganhavam asas na minha mente
Reunidos amigos e família,
volvido um ano sobre a tua partida.
O coração apertado, turvam-se a visão e o ouvido.
Das palavras do prelado, nem uma só ouvi.
Palavras de circunstância, adequadas à ocasião,
ou talvez não.
Dos teus filhos, frases que subentendo,
através de palavras soltas
que me chegam carregadas de emoção e de saudade-
- generosidade, exemplo de vida.
Que grande privilégio teres sido minha amiga
2º Registo
Como referi no registo anterior, decorreu na BMAG o 1º Encontro de Literatura Infanto – Juvenil da S.P.A
A par deste programa houve, no dia 23, encontros entre crianças e escritores. Como o escritor Vergílio Alberto Moreira não pôde estar presente (entrou nesse dia no Clube dos Avós a que eu já pertenço) fui “substituí-lo” junto de cerca de 40 crianças. É algo que gosto sempre de fazer…
Mas regressemos ao programa.
Embora com muito pouco tempo dedicado a questões que o público pudesse colocar, as entrevistas correram bem, umas melhores que outras, obviamente.
Destaco a entrevista à ilustradora Teresa Lima. Foi muito interessante. A meio relatou um episódio que aconteceu com a ilustração do livro, Lá de cima, cá em baixo, de António Mota. Numa das ilustrações figurava uma girafa, intencionalmente sem cabeça, em que o pescoço terminava no topo da página.
A gráfica achou por bem descer a girafa e adaptar-lhe uma cabeça e, tanto gostou do novo desenho, que o usou para colocar na contra-capa… E pensar que o meu ilustrador ( o meu filho Nuno) ficou muito aborrecido porque na gráfica deslocaram um pouco as ilustrações…
Foi muito enriquecedora a intervenção de Osvaldo Silvestre que se centrou essencialmente em torno de duas questões: Alice no País das maravilhas é um clássico? É um livro para crianças?
Foram também muito interessantes as intervenções dos grupos Pé de Vento, Quinta Parede, Os gambozinos e do actor Carlos Moreira
De entre os vários poemas que foram lidos seleccionei alguns para trazer aqui
O Mosquito Escreve
O mosquito pernilongo trança as pernas, faz um M,
depois, treme, treme, treme,
faz um O bastante oblongo, faz um S.
O mosquito sobe e desce.
Com artes que ninguém vê, faz um Q,
faz um U, e faz um I.
Este mosquito esquisito
cruza as patas, faz um T.
E aí, se arredonda e faz outro O,
mais bonito.
Oh! Já não é analfabeto, esse insecto,
pois sabe escrever seu nome.
Mas depois vai procurar alguém que possa picar,
pois escrever cansa, não é, criança?
E ele está com muita fome.
(Cecília Meireles)
O Cometa
Lá vem lá vem o cometa
Tema cauda branca a cabeça preta
Que não se intrometa na sua rota nenhum planeta
E que ninguém tente cortar-lhe o cabelo ou não fosse de gelo
Nunca noiva alguma teve um vestido assim feito de espuma
Lá vai lá vai o cometa. Tem a cauda branca a cabeça preta
Se o não viste passar daqui a cem anos ele há-de voltar
(Jorge Sousa Braga)
Coisas que não há que há
Uma coisa que me põe triste
é que não exista o que não existe.
(Se é que não existe, e isto é que existe!)
Há tantas coisas bonitas que não há:
coisas que não há, gente que não há,
bichos que já houve e já não há,
livros por ler, coisas por ver,
feitos desfeitos, outros feitos por fazer,
pessoas tão boas ainda por nascer
e outras que morreram há tanto tempo!
Tantas lembranças de que não me lembro,
sítios que não sei, invenções que não invento,
gente de vidro e de vento, países por achar,
paisagens, plantas, jardins de ar,
tudo o que eu nem posso imaginar
porque se o imaginasse já existia
embora num sítio onde só eu ia...
(Manuel António Pina)
Mistérios da escrita
Escrevi a palavra flor.
Um girassol nasceu no deserto de papel.
Era um girassol como é um girassol.
Endireitou o caule, sacudiu as pétalas
e perfumou o ar.
Voltou a cabeça à procura do sol
e deixou cair dois grãos de pólen
sobre a mesa.
Depois cresceu até ficar
com a ponta de uma pétala fora da Natureza.
( Álvaro Magalhães)
HISTÓRIA DO SR. MAR
Deixa contar...
Era uma vez
O senhor Mar
Com uma onda...
Com muita onda...
E depois?
E depois...
Ondinha vai...
Ondinha vem...
Ondinha vai...
Ondinha vem...
E depois...
A menina adormeceu
Nos braços da sua Mãe...
(Matilde Rosa Araújo)
O penúltimo momento do encontro foi a apresentação do livro “Camões- O super-herói da Língua Portuguesa” de Maria Alberta Meneres. Maria Alberta Menéres completou 80 anos e está a ser homenageada pela ASA. A filha, Eugénia de Melo e Castro, acompanhou-a e a entrevista, muito bem conduzida por José António Gomes, e a que responderam mãe e filha, foi de facto um momento alto do programa.
Do livro fica um excerto
Como disse José António Gomes, o livro mostra que Camões continua na "continuação"
A finalizar e porque de poesia infantil se tratou, deixo um poema do meu último livro para crianças
Poesia
Perguntaram à Maria
o que era a poesia
e a Maria respondeu:
É saber olhar o Céu,
ouvir as ondas do mar,
e sentir a maresia,
as aves a chilrear,
desde que o sol se levanta,
deixar a areia escapar
por entre os dedos da mão,
é saber ouvir o vento
que traz sempre uma mensagem
quando chega de viagem.
É acarinhar a terra,
cada animal, cada planta,
cada pedra, cada rio.
É cantar ao desafio com o melro,
o gavião, e também a cotovia,
o pardal , o rouxinol.
É saudar o arco-íris
num dia de chuva e sol
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Sei que sentes ainda muito a falta dessa tua Amiga. Elas continuam cá, somos nós que não conseguimos abstrair-nos da falta da sua presença física.
ResponderEliminarÉ bom ter Amigos desses.
Quanto ao Encontro, deve ter sido bem interessante. Quando trabalhei para a Editora, conheci muitos ilustradores, uns mesmo bons, outros menos, mas era uma vertente que me interessava muitíssimo e que achava importante sobretudo nos manuais do básico.
Achei graça a essa discussão sobre a "Alice", pois no meu blogue afirmei que era um livro para crianças, pois tudo na história é um disparate total, um nonsense, que a criança aceita e percebe. Nós não!! Há livros que não são para crianças, embora divulgados para elas, outros há que são duma pobreza de ideias franciscana, já tenho lido alguns aos meus netos ( mesmo os da I. Alçada e Co.) que penso qualquer avó inventava uma história mais gira para contar sem precisar de ler o livro.
Adorei o poema " Coisas que não há...". É muito original.
Obrigada pela reportagem, gosto sempre de saber acerca destes eventos, mesmo quando não estou lá. A verdade é que não me sinto com grande saúde neste momento - problemas de artrite muito chatas - e não aguento estar muitas horas fora de casa ou a andar por aí. Nem pintar consigo.
Bjo
Olá Regina. Só um grande abraço para não ser repetitiva em relação a tudo o que conheço de si.
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