sábado, 16 de janeiro de 2010
“Uma viagem para Pasárgada”
Chegou-me ontem pelo correio um exemplar da antologia “Uma viagem para Pasárgada” editada pela Litteris
A antologia contém 119 poemas de entre 1307 poemas concorrentes, dois dos quais de autores portugueses, Bernardo Branco e eu própria.
Se há poemas que fazem parte do meu imaginário, um deles é “Vou-me embora para Pasárgada” de Manoel Bandeira. Talvez por isso tenha concorrido ao concurso. Ouçamos o poema na voz do autor
Já anteriormente tinha escrito um conto cujo título é precisamente “Vou-me embora para Pasárgada”. Com ele concorri em 2006 à 7ª Edição do Concurso literário Prémio Dr. João Isabel promovido pela Câmara Municipal de Manteigas, tendo sido a segunda classificada. Podem aceder ao conto em ...
Agora foi a vez da poesia.
Apresento a seguir quatro poemas, os dois portugueses e dois de autores brasileiros
Passagem por Pasárgada
Regresso à poesia e às passadas
logo que passou por minha mente
a volta ao passado. E dadas
as passagens, ouço ainda intermitente
a música de antigas Pasárgadas.
Quem alguma vez não sonhou
com lugares onde as visões são acessíveis
às montanhas de prazer e não amou
ternamente planos de harmonias impossíveis?
Daí que, a condição de si, se deslumbrou.
Teci uma rede seduzido pela fama
dos caminhos da luz e da aurora
enlaçando ilusões, compondo a trama
consequente com a felicidade, embora
não passasse além de boa mesa e cama.
Mas, cedo sobrevindo o fel, a viuvez
me ditou que uma única mulher
na vida, realmente, passou com a lucidez
do encanto que a imaginação lhe der
distinto de tudo que em
Pasárgada tomou vez.
E, depois de ter adormecido sob o signo
de estrelas residuais de amor
e poesia -não mais a descrição da viagem que designo
por um rol de fogos-fátuos e fantasia -
acordo do pleno pesadelo. Resigno.
Não mais a Pasárgada vou voltar.
Os caminhos passados foram, a passos largos,
à infelicidade da suprema queda desaguar,
e, claramente, neste tom a voz e os encargos
de alma me obrigam a parar...
Bernardo Branco
Carta a Bandeira
Meu caro Manuel Bandeira
Tomando o teu poema como guia parti um dia para Pasárgada.
Mas não encontrei o rei nem tão pouco o imperador.
Mulheres, essas eu vi, nalgumas, a face oculta
sob a burka ou o tchador. Se eram da vida não sei.
Não fui banhar-me no mar, não subi em pau de sebo,
nem burro brabo montei.
Tão pouco fui à ginástica, ou de bicicleta andei.
Fui em busca de Pasárgada e em parte dou-te razão:
é outra civilização mas não sei se usa processo
de impedir a concepção.
Fui em busca de Pasárgada.
Procurava ser feliz, mas desisti de tentar quando, triste, à beira rio,
eu quis chamar a mãe de água para histórias me contar.
Não a achei em parte alguma, desisti de procurar.
Foi então que decidi que devia regressar.
Quem sabe, talvez um dia Pasárgada eu vá achar
escondida sob a bruma, envolta em espuma do mar.
Se um dia tal acontece a posição vou-ta enviar.
Quem sabe, nesse lugar, perdido algures no espaço,
disponhas de GPS.
Até sempre. Um grande abraço.
Regina Gouveia
Pasárgada-Corpo
Aninhada cartografia de montanhas aquecidas,
o lençol pousado pende sobre os vales
Nos ares térmicos de Pasárgada- corpo.
No sobrevoo que vejo e deslizo,
terei a mulher que eu quero em cama arfante,
Mãe-d´água do verde que busco olhar.
Assim, amanhecida e primeira,
Em repousado travesseiro, começa o dia em Pasárgada,
esta outra civilização.
Eleita, ela descansa, enquanto a roupa e cama que sonha
e acorda em nós, de sobressalto, despida, indaga:
É Pasárgada que os deixa assim?
Marcelo Lins
Amanhã, eu vou para Pasárgada
Amanhã, eu vou para Pasárgada.
Lá não tem relógios, pois a hora é duradoura.
Lá dançarei um tango argentino, coxa entre coxa,
com a minha primeira professora.
Belo, belo, belo. Lá tenho tudo que quero.
Lá o café da manhã tem bolo de fubá.
Amanhã, eu vou para Pasárgada.
Lá, não tentarei o Pneumotórax.
Joga-se, no campinho de terra batida,
futebol na chuva…Descalço.
Lá, eu jogarei. Lá, tem o bom humor de Irene Preta.
Lá, não tem rei nem rainha, lá, não usarei camisinha.
Passearei de Maria Fumaça,
Cara ao vento, Tiuí- tiuí- tiuí-tiuí!
Amanhã, eu vou para Pasárgada.
Lá, vou molengar debaixo daquela mangueira
À espera do fruto que caia naturalmente.
Chupá-la… E não comê-la
Dormirei de janelas abertas e tomarei banho nu na cachoeira.
Lá, tem noite estrelada, tem graveto, fogo, batata-doce…
Tem conversa fiada em torno de linda fogueira.
Amanhã, eu vou para Pasárgada.
E mostrarei este poeminha ao Bandeira
Julinho Terra
Pasargada foi declarada Património da Humanidade pela UNESCO em 2004
A antologia contém 119 poemas de entre 1307 poemas concorrentes, dois dos quais de autores portugueses, Bernardo Branco e eu própria.
Se há poemas que fazem parte do meu imaginário, um deles é “Vou-me embora para Pasárgada” de Manoel Bandeira. Talvez por isso tenha concorrido ao concurso. Ouçamos o poema na voz do autor
Já anteriormente tinha escrito um conto cujo título é precisamente “Vou-me embora para Pasárgada”. Com ele concorri em 2006 à 7ª Edição do Concurso literário Prémio Dr. João Isabel promovido pela Câmara Municipal de Manteigas, tendo sido a segunda classificada. Podem aceder ao conto em ...
Agora foi a vez da poesia.
Apresento a seguir quatro poemas, os dois portugueses e dois de autores brasileiros
Passagem por Pasárgada
Regresso à poesia e às passadas
logo que passou por minha mente
a volta ao passado. E dadas
as passagens, ouço ainda intermitente
a música de antigas Pasárgadas.
Quem alguma vez não sonhou
com lugares onde as visões são acessíveis
às montanhas de prazer e não amou
ternamente planos de harmonias impossíveis?
Daí que, a condição de si, se deslumbrou.
Teci uma rede seduzido pela fama
dos caminhos da luz e da aurora
enlaçando ilusões, compondo a trama
consequente com a felicidade, embora
não passasse além de boa mesa e cama.
Mas, cedo sobrevindo o fel, a viuvez
me ditou que uma única mulher
na vida, realmente, passou com a lucidez
do encanto que a imaginação lhe der
distinto de tudo que em
Pasárgada tomou vez.
E, depois de ter adormecido sob o signo
de estrelas residuais de amor
e poesia -não mais a descrição da viagem que designo
por um rol de fogos-fátuos e fantasia -
acordo do pleno pesadelo. Resigno.
Não mais a Pasárgada vou voltar.
Os caminhos passados foram, a passos largos,
à infelicidade da suprema queda desaguar,
e, claramente, neste tom a voz e os encargos
de alma me obrigam a parar...
Bernardo Branco
Carta a Bandeira
Meu caro Manuel Bandeira
Tomando o teu poema como guia parti um dia para Pasárgada.
Mas não encontrei o rei nem tão pouco o imperador.
Mulheres, essas eu vi, nalgumas, a face oculta
sob a burka ou o tchador. Se eram da vida não sei.
Não fui banhar-me no mar, não subi em pau de sebo,
nem burro brabo montei.
Tão pouco fui à ginástica, ou de bicicleta andei.
Fui em busca de Pasárgada e em parte dou-te razão:
é outra civilização mas não sei se usa processo
de impedir a concepção.
Fui em busca de Pasárgada.
Procurava ser feliz, mas desisti de tentar quando, triste, à beira rio,
eu quis chamar a mãe de água para histórias me contar.
Não a achei em parte alguma, desisti de procurar.
Foi então que decidi que devia regressar.
Quem sabe, talvez um dia Pasárgada eu vá achar
escondida sob a bruma, envolta em espuma do mar.
Se um dia tal acontece a posição vou-ta enviar.
Quem sabe, nesse lugar, perdido algures no espaço,
disponhas de GPS.
Até sempre. Um grande abraço.
Regina Gouveia
Pasárgada-Corpo
Aninhada cartografia de montanhas aquecidas,
o lençol pousado pende sobre os vales
Nos ares térmicos de Pasárgada- corpo.
No sobrevoo que vejo e deslizo,
terei a mulher que eu quero em cama arfante,
Mãe-d´água do verde que busco olhar.
Assim, amanhecida e primeira,
Em repousado travesseiro, começa o dia em Pasárgada,
esta outra civilização.
Eleita, ela descansa, enquanto a roupa e cama que sonha
e acorda em nós, de sobressalto, despida, indaga:
É Pasárgada que os deixa assim?
Marcelo Lins
Amanhã, eu vou para Pasárgada
Amanhã, eu vou para Pasárgada.
Lá não tem relógios, pois a hora é duradoura.
Lá dançarei um tango argentino, coxa entre coxa,
com a minha primeira professora.
Belo, belo, belo. Lá tenho tudo que quero.
Lá o café da manhã tem bolo de fubá.
Amanhã, eu vou para Pasárgada.
Lá, não tentarei o Pneumotórax.
Joga-se, no campinho de terra batida,
futebol na chuva…Descalço.
Lá, eu jogarei. Lá, tem o bom humor de Irene Preta.
Lá, não tem rei nem rainha, lá, não usarei camisinha.
Passearei de Maria Fumaça,
Cara ao vento, Tiuí- tiuí- tiuí-tiuí!
Amanhã, eu vou para Pasárgada.
Lá, vou molengar debaixo daquela mangueira
À espera do fruto que caia naturalmente.
Chupá-la… E não comê-la
Dormirei de janelas abertas e tomarei banho nu na cachoeira.
Lá, tem noite estrelada, tem graveto, fogo, batata-doce…
Tem conversa fiada em torno de linda fogueira.
Amanhã, eu vou para Pasárgada.
E mostrarei este poeminha ao Bandeira
Julinho Terra
Pasargada foi declarada Património da Humanidade pela UNESCO em 2004
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Regina que mais hei-de dizer se já nem consigo surpreender-me porque gosto muito, muito de tudo o que escreve. PASÁRGADA.... tantas vezes apetece ir embora para lá com ou sem GPS!!!!! Mas temos que ficar por cá e lutar para que seja ela a vir ter connosco. Acho que para mim já é um bocadinho tarde, mas continuo a tentar. Desculpe o desabafo. Um beijo.
ResponderEliminarNunca é tarde demais...
ResponderEliminarVeja o Manoel de Oliveira para quem a utopia é uma "realidade"....
Bjs
Regina
Fantásticos os Caminhos - não de Santiago , mas de Pasárgada...
ResponderEliminarO teu poema tão desencantado é o mais belo porque o mais real e táctil. Não sabia que tu o tinhas escrito e li no PC, sem saber , até ao fim. Reconheci-te.
Gostei de saber que reconheceste a autoria do poema...
ResponderEliminarUm dia destes vou levar-ter a Antologia. Em minha opinião tem alguns poemas muito interessantes, outros nem por isso.
Regina